quarta-feira, 21 de novembro de 2012


LUTERO, O PREDECESSOR DO PENSAMENTO MODERNO

Hugo Vinicius de Oliveira Imar[1]

Tais Pereira[2]


RESUMO
O luteranismo foi o processo que desencadeou os diversos pensamentos e correntes filosóficas do século XVI ao século XIX. Tenta eliminar os erros do papado e sugere uma reforma dos erros de interpretação da Bíblia. Portanto, o critério passa a ser a tradução da Bíblia para o vernáculo, a igualdade entre clero e os laicos e a salvação somente pela fé.
Palavras-chave: Religião. Bíblia. Clero. Lutero
ABSTRACT
Lutheranism was the processes that triggered the various thoughts and philosophical currents of the sixteenth century to the nineteenth century. Try to eliminate the errors of the papacy and suggested u reform of interpretation errors of the Bible. Therefore, the criterion pass to be translation the Bible to the vernacular, equality between clergy and laity and salvation anything peels faith.
Keywords: Religion. Bible. Clergy. Luther

INTRODUÇÃO
No século XVI desenvolveu-se no ocidente, o processo histórico denominado Reforma protestante encabeçada por um monge agostiniano chamado Martin Lutero. Propõe-se uma ruptura com as falsas interpretações pelo papado como: vendas de indulgências, vendas de posições clericais e com a corrupção que circuncidava a igreja. Por meio da nova doutrina, Lutero não pretende dividir a igreja, mas, clamar por um conserto do papado diante das Santas Escrituras, porém, suas idéias e interpretações vão além de seu tempo e mais que dividir a igreja, Lutero é excomungado dela através da bula papal em 1521.
Este trabalho faz uma explicação na primeira parte da vida de Lutero, quando e porque recebeu o nome, sua ida para Erfurt estudar Direito e artes, seus medos, sua ida para o convento agostiniano, sua conversão e enfim, sua formação acadêmica em Teologia.
O segundo ponto pretende-se esclarecer o contexto em que Lutero estava envolvido, contexto esse que contribui para a reforma, já que o Renascentismo havia chegado a Universidade de Erfurt a qual Lutero formou-se em Teologia.
Em seguida, tenta-se promover a sapiência dos pensamentos teológico e éticos de Lutero, a saber, as bases bíblicas para a reforma pretendida, a justificação pela fé, e o fundamento do centro de sua teologia.
Qual seria a herança deixada por Lutero? Quais as conseqüências de seus pensamentos? Propõe-se tratar dessas questões no tópico quatro. Esses questionamentos é que liga a herança luterana com o pensamento moderno/iluminista.
Após se tratar da marca deixada por Lutero na história, o tópico cinco mostra o pensamento moderno/iluminista, nas pessoas de Kant, Baruch Spinoza, Holbach, Nietzsche e Voltaire.
Enfim, o objetivo desse texto é mostrar que Lutero trouxe uma contribuição e expressão de liberdade para todos os leigos diante da tirania papal, porém, como toda a “rebeldia” pressupõe consequências, mostra-se também (embora não seja essa intenção do próprio Lutero) o resultado dessa reforma/doutrina colocada pelo monge agostiniano.
1.      O homem Lutero
Nascido em 10 de novembro de 1483 na cidade alemã de Eisleben, Martim Lutero era filho da família camponesa de origem pobre constituída por Hans e Margarette Luder. Seu nome foi inspirado em São Martinho de Tours, cuja festa de comemoração era no dia seguinte ao seu batizado.
Por almejar melhorias financeiras e uma expansão nos negócios, no ano seguinte ao batizado de Lutero, Hans mudou-se com toda a família para a cidade circunvizinha de Mansfeld, onde, por volta de 1500, já com um pequeno negócio de mineração de cobre, tornou-se bem sucedido elevando seus padrões econômicos em relação aos da época.
A partir desse momento, Hans começou a investir na carreira do filho e em 1501 o enviou para a Universidade de Erfurt na qual completou o curso inicial de artes e deu prosseguimento aos estudos no curso de Direito.
Considerando seu destaque na turma de dezessete alunos e seu status social, Lutero certamente teria sido um brilhante advogado, se não fosse o incidente em que se envolveu durante o retorno de uma visita feita a seus pais, em Mansfeld. Quando retornava à Erfurt, perto da região Stotternheim, um forte temporal de raios o atingiu e, aterrorizado, Lutero clamou a padroeira dos mineiros: “Santa Ana, Salva-me! E me tornarei um monge”[3].
Salvo daquele temporal, Lutero manteve sua palavra e em 17 de julho de 1505 entrou para um dos monastérios mais rigorosos da Alemanha; o Convento Agostiniano, abalando sua relação com o pai que desejava sua formação em Direito. O distanciamento entre pai e filho durou um longo período de tempo.
O medo de morrer impediu que Lutero prosseguisse sua caminhada acadêmica no Direito e de acordo com a Teologia da época, tornar-se monge era a melhor forma de evitar o inferno: abster-se dos prazeres da vida através da austeridade era uma forma de garantir um lugar no céu.
Anos depois de sua saída no monastério, Lutero afirmou:
Eu obedecia as regras tão rigidamente, que posso afirmar que, se um monge fosse para o céu por sua dedicação, esse monge seria eu. Se tivesse continuado dessa forma por mais tempo, teria me matado com vigílias, orações, leituras e outros trabalhos.[4]
Levado pela vontade de extinguir seus impulsos pecaminosos, por várias vezes Lutero jejuou durante três dias e muitas vezes dormiu sem cobertor em noites de inverno tenebroso, na tentativa de tornar-se livre do medo da morte e da culpa. Temendo por sua saúde mental e corporal, seu superior, Johann Von Staupitz, recomendou que Lutero iniciasse o estudo da Teologia. Atento à recomendação de seu superior, Lutero iniciou o curso na universidade de Erfurt, mesma instituição em que deu início aos estudos de Artes e Direito.
Em 1512 Lutero foi convidado por Frederico, o Sábio, a ministrar estudos bíblicos na recém universidade de Wittenberg. Foi nesta mesma Universidade que Lutero desenvolveu sua teologia baseada na “maravilhosa nova definição da justiça de Deus” [5], de acordo com a carta de Romanos.
2.      Contextualizando o Século XVI
No século VIII Carlos Magno – Imperador do Ocidente e conquistador da Itália – trouxe para a corte “os mais notáveis eruditos que podia encontrar” [6], possibilitando a abertura para o pensamento renascentista e o enriquecimento intelectual, financeiro e artístico.
Anos mais tarde, a Alemanha foi tomada pelo pensamento renascentista, cuja consequência foi a transformação político-cultural da sociedade Alemã. No início do século XVI, o movimento renascentista, que servia para os intelectuais como uma arma para expressar seu protesto contra o poderio religioso e político que o papado exercia na época, já estava firmado no meio universitário, principalmente nas cidades de Heidelberg, Erfurt e colônia.
Um dos principais nomes desse período na Alemanha e tido como o “príncipe dos humanistas” [7], foi Erasmo de Rotterdam, ao qual Lutero disputou e refutou a teologia liberal.
Foi neste período de ideias e ideais renascentistas que se levantou Lutero, influenciado por esses movimentos, contra uma igreja com abusos de poder, com vendas de entrada no céu e indulgências para diminuição no tempo do purgatório e principalmente a proibição da leitura das Santas Escrituras.
3.      O pensamento de Martim Lutero com ênfase em sua teologia e ética
Segundo Martin N. Dreher, a principal característica da Teologia de Lutero está no primeiro mandamento do decálogo [8], no qual o próprio Lutero declara em 1529: “Devemos temer e amar a Deus e confiar nele sobre todas as coisas” [9]. Tudo o que Lutero escreveu e pensou vem desse pensamento .
Além desse principal eixo do decálogo, Lutero também baseou sua teologia nas cartas paulinas, principalmente na carta aos Romanos, cuja história influenciou sua conversão e deu origem a explosão da Reforma Protestante. Uma das passagens que mais se assemelham a tal conversão é o versículo 17 do primeiro capítulo do livro: “Porque no evangelho é revelada a justiça de Deus, uma justiça que do princípio ao fim é pela fé, como está escrito: o justo viverá pela fé” [10].
O versículo começa com a justiça de Deus, justiça essa que Lutero não podia suportar. A palavra justiça era tida por ele – e pela teologia tradicional – como Deus castigando os pecadores: grupo em que ele se incluía. Porém, mais adiante em sua carreira Lutero afirmou que essa mesma justiça – a quem ele abominou – fez dele salvo, pois, “A justiça de Deus é a que tem quem vive pela fé, não porque seja em si mesmo justo, ou porque cumpra as exigências da justiça divida, mas porque Deus lhe dá esse dom” [11].
De acordo com Alister Mcgrath existem cinco pontos que fundamentam a Reforma de Lutero[12]:
a.       A Bíblia é o fundamento supremo de toda crença e prática cristã.
b.      O texto da Bíblia e toda pregação baseada nela devia ser no vernáculo.[13]
c.       Salvação é dom gratuito e imerecido de Deus recebido pela fé.
d.      Não há distinção fundamental entre clero e laicidade.
e.       A reforma da vida e do pensamento da igreja não dizia respeito a começar desde o início em um frenesi de reconstrução pelo conhecimento.
Com base em suas reflexões da Bíblia, Lutero revisou os fundamentos da teologia da Idade Média, e isso interviu em todos os aspectos de sua época, quer sejam, políticos, culturais, religiosos e confessionais. Assim, como a igreja detinha todo o poder nos aspectos mencionados acima, Lutero mexeu em um vespeiro. Por este motivo, foi chamado várias vezes para dar declarações de suas “heresias”, como registrado no documento “Confissão de Augsburg” e na “Dieta de Worms”.
Em 1522 Lutero foi excomungado da igreja juntamente com todos os que o seguiam. Daí para frente o que fez foi se aprofundar nas Santas Escrituras traduzindo o Novo Testamento para o Alemão para que todo homem tivesse acesso ao texto bíblico.
Sobre as Escrituras Lutero afirma:
Os próprios apóstolos consideravam ser necessário traduzir o Novo Testamento ao grego e vinculá-lo àquela língua, sem dúvida para preservá-lo para nós, são e salvo, como em uma arca sagrada. Pois previam tudo o que era vindouro e o que hoje tem acontecido. Sabiam que, se fosse contido somente na cabeça das pessoas, surgiria na igreja uma turbulenta e terrível desordem e confusão, e diversas interpretações, concepções e doutrinas, as quais poderiam ser evitadas e das quais o homem simples poderia ser protegido somente se o Novo Testamento fosse mantido em língua escrita [14].
Como vimos, a sociedade em que Lutero viveu passava por um período de mudanças em suas camadas sociais por meio do Renascentismo o que fez com que todos esperassem pela proposta de “reforma” que ele propôs que convergia na união da sociedade com a igreja em direção a um futuro melhor [15].
4.      A Herança do pensamento Reformador
Nesta ótica de pensamento luterano que implica no “Sacerdócio de todos os crentes”, o mundo ocidental dividia-se em várias linhas de pensamento religioso. Depois de Lutero, o que se segue é uma série de movimentos reformadores em toda a Europa. Parafraseando Mcgrath: o surgimento do protestantismo trouxe uma revisão sistemática da vida e do pensamento da igreja [16].
Outro aspecto importante que é preciso destacar da herança desse pensamento, são as guerras (Guerra da Liga de Schmalkden: 1546-1547, Guerra dos Huguenotes - 1562-1589, A revolta dos países Baixos -1565-1609) que se espalharam por toda a Europa.
Com base nas diversas correntes de pensamentos religiosos e filosóficos que agora passam por um processo de transformação e revisão, caracterizada pela reforma e pelo pensamento Renascentista, surge entre essas correntes por volta de 1650 o movimento chamado Iluminismo, que evidenciará o ato de fé na razão humana.
5.      A nova critica da religião
Para não se cometer novos erros de tirania como os do Papado, a religião – a partir desse momento – começou a ser submetida ao tribunal da razão, que se deu pela filosofia proposta por Kant denominada “critica da religião”. Segundo Urbano Zilles em seu artigo científico: A crítica da religião na modernidade, diz: “... uma pluralidade de críticas, muitas vezes até contraditórias. Discute-se o sentido e a significação do discurso e da prática, a legitimidade das explicações teóricas e das orientações práticas da religião” [17].
Segundo Urbano Zilles a filosofia da religião é o produto do iluminismo, iniciado por Baruch Spinoza (1632-1677) [18], pois questionando as tradições religiosas teve também a necessidade de explicar e justificar os fenômenos religiosos.
Muitos são os nomes famosos que encabeçam esse movimento Iluminista que usa de argumentos “racionais” para enfatizar e depreciar a religião. Um desses nomes é Voltaire (1694-1778) que ataca a tradição religiosa e questiona todo o tipo de autoridade, incluindo a de Deus. Holbach (1725-1780), o criador da famosa frase “ópio do povo”, afirmou que a religião é a mola propulsora para uma política injusta e suja. Outro nome famoso que aparece na lista dos iluministas é o de Nietzsche com sua critica radical enfatizando em sua tese a morte de Deus.
6.      Considerações finais
Tendo em vista os tópicos levantados acerca da ética e teologia de Lutero, bem como sobre os pensadores iluministas, torna-se notório que o levante da Reforma Protestante produzida por Lutero, com fortes influências da Renascentista Universidade de Erfurt, precedeu o pensamento moderno, reconhecido como Iluminismo.
É neste mesmo conceito do pensamento luterano que os iluministas trabalham e expressam seus fundamentos filosóficos como a liberdade do pensamento da literatura bíblica para todos, a afirmação de que a literatura deveria ser vernacular e a proclamação de que o cidadão laico é igual ao clero.
Essa pesquisa mostrou também que antes de Lutero, o fundamentalismo religioso demonstrado pela igreja católica não deixava a sociedade européia caminhar para um futuro racional, e o que não fosse da categoria clerical não tinha acesso a qualquer tipo de informação, seja ela política, religiosa ou intercultural.
Após Lutero, o mundo ocidental cristão se transformou em um emaranhado de ideias, correntes religiosas e filosóficas. Houve descentralização por parte do poder da igreja para as mãos dos monarcas, que apoiaram muitas vezes os pensadores iluministas, e estes por sua vez detinham o conhecimento científico e muitos deles aplicaram ideias de governo.
O desenvolvimento histórico de Lutero ao Iluminismo certamente merece crédito, por conter neste período as diversas revoluções intelectuais e de expressão racional. Portanto, fica clara a contribuição do reformador para o pensamento iluminista, todavia, certamente não é o que ele mesmo recomendaria.
7.      Bibliografia
BÍBLIA Sagrada português-inglês. Nova Versão Internacional. São Paulo: Ed. Vida Nova, 2003
BURNS, Edward M. História da Civilização Ocidental. Volume 1, 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Globo, 1959.
DREHER, Martin N. Coleção história da Igreja. Volume 3, 5ª ed. São Leopoldo: Sinodal, 1996.
GONZÁLEZ, Justo L. Dicionário ilustrado dos intérpretes da fé. São Paulo: Hagnos, 2008.
GONZÁLEZ, Justo L. História ilustrada do Cristianismo. Volume 2, 2ª ed. Revisada. São Paulo: Vida Nova, 2011.
MACGRATH, Alister E. A Revolução protestante. Brasília: Palavra, 2012.
PIPER, John. O legado da Alegria Soberana. São Paulo: Shedd Publicações, 2005.
SHELLEY, Bruce L. História do Cristianismo Ao Alcance de Todos. São Paulo: Shedd Publicações, 2004.
ZILLES, Urbano. A Crítica da Religião na Modernidade. Revista Interações - Cultura e Comunidade, Porto Alegre, V.3, n. 4, p. 37-54, 2008.  


[1]  Estudante do terceiro período de Teologia da Faculdade Batista de Minas Gerais. hugoimar@hotmail.com 
[2]  Taís Pereira é Mestre em Letras e professora de Leitura e produção de texto do curso de teologia da Faculdade Batista de Minas Gerais.
taismg@hotmail.com

[3] MACGRATH, 2012, P.46.
[4] SHELLEY, 2004, P. 266.
[5] MACGRATH, 2012, P. 47
[6] BURNS, 1959, P. 369
[7] BURNS, 1959, P. 426
[8] Ver Êxodo capítulo 20
[9] DREHER, 1996, P. 41.
[10] BÍBLIA Sagrada português-inglês. Nova Versão Internacional. São Paulo: Ed. Vida Nova, 2003, p. 1266.
[11] GONZÁLEZ, 2011, P. 32.
[12] MACGRATH, 2012, P. 61-64.
[13] O Vernáculo trata-se de algo próprio de um país, quer seja língua, cultura ou costumes, por exemplo: a língua vernacular do Brasil é o Português.
[14] PIPER, 2005, P. 87.
[15] DREHER, 1996, P. 48.
[16] MACGRATH, 2012, P. 131.
[17] ZILLES, 2008, P. 39
[18] ZILLES, 2008, P. 42