LUTERO, O PREDECESSOR DO PENSAMENTO MODERNO
Hugo Vinicius de Oliveira Imar[1]
Tais Pereira[2]
RESUMO
O luteranismo foi o
processo que desencadeou os diversos pensamentos e correntes filosóficas do
século XVI ao século XIX. Tenta eliminar os erros do papado e sugere uma
reforma dos erros de interpretação da Bíblia. Portanto, o critério passa a ser
a tradução da Bíblia para o vernáculo, a igualdade entre clero e os laicos e a
salvação somente pela fé.
Palavras-chave: Religião.
Bíblia. Clero. Lutero
ABSTRACT
Lutheranism was the
processes that triggered the various thoughts and philosophical currents of the
sixteenth century to the nineteenth century. Try to eliminate the errors of the
papacy and suggested u reform of interpretation errors of the Bible. Therefore,
the criterion pass to be translation the Bible to the vernacular, equality
between clergy and laity and salvation anything peels faith.
Keywords: Religion.
Bible. Clergy. Luther
INTRODUÇÃO
No século XVI desenvolveu-se no
ocidente, o processo histórico denominado Reforma protestante encabeçada por um
monge agostiniano chamado Martin Lutero. Propõe-se uma ruptura com as falsas
interpretações pelo papado como: vendas de indulgências, vendas de posições
clericais e com a corrupção que circuncidava a igreja. Por meio da nova
doutrina, Lutero não pretende dividir a igreja, mas, clamar por um conserto do
papado diante das Santas Escrituras, porém, suas idéias e interpretações vão
além de seu tempo e mais que dividir a igreja, Lutero é excomungado dela
através da bula papal em 1521.
Este trabalho faz
uma explicação na primeira parte da vida de Lutero, quando e porque recebeu o
nome, sua ida para Erfurt estudar Direito e artes, seus medos, sua ida para o
convento agostiniano, sua conversão e enfim, sua formação acadêmica em
Teologia.
O segundo ponto
pretende-se esclarecer o contexto em que Lutero estava envolvido, contexto esse
que contribui para a reforma, já que o Renascentismo havia chegado a
Universidade de Erfurt a qual Lutero formou-se em Teologia.
Em seguida, tenta-se
promover a sapiência dos pensamentos teológico e éticos de Lutero, a saber, as
bases bíblicas para a reforma pretendida, a justificação pela fé, e o
fundamento do centro de sua teologia.
Qual seria a herança
deixada por Lutero? Quais as conseqüências de seus pensamentos? Propõe-se
tratar dessas questões no tópico quatro. Esses questionamentos é que liga a
herança luterana com o pensamento moderno/iluminista.
Após se tratar da
marca deixada por Lutero na história, o tópico cinco mostra o pensamento
moderno/iluminista, nas pessoas de Kant, Baruch Spinoza, Holbach, Nietzsche e Voltaire.
Enfim, o objetivo
desse texto é mostrar que Lutero trouxe uma contribuição e expressão de
liberdade para todos os leigos diante da tirania papal, porém, como toda a
“rebeldia” pressupõe consequências, mostra-se também (embora não seja essa
intenção do próprio Lutero) o resultado dessa reforma/doutrina colocada pelo
monge agostiniano.
1. O homem Lutero
Nascido em 10 de novembro de 1483 na cidade
alemã de Eisleben, Martim Lutero era filho da família camponesa de origem pobre
constituída por Hans e Margarette Luder. Seu nome foi inspirado em São Martinho
de Tours, cuja festa de comemoração era no dia seguinte ao seu batizado.
Por almejar melhorias financeiras e uma expansão nos negócios, no
ano seguinte ao batizado de Lutero, Hans mudou-se com toda a família para a
cidade circunvizinha de Mansfeld, onde, por volta de 1500, já com um pequeno
negócio de mineração de cobre, tornou-se bem sucedido elevando seus padrões econômicos
em relação aos
da época.
A partir desse momento, Hans começou a investir na carreira do
filho e em 1501 o enviou para a Universidade de Erfurt na qual completou o curso inicial de artes e
deu prosseguimento aos estudos no curso de Direito.
Considerando seu destaque na turma de dezessete alunos e seu status
social, Lutero certamente teria sido um brilhante advogado, se não fosse o
incidente em que se envolveu durante o retorno de uma visita feita a seus pais,
em Mansfeld. Quando retornava à Erfurt, perto da
região Stotternheim, um forte temporal de raios o atingiu e, aterrorizado,
Lutero clamou a padroeira dos mineiros: “Santa Ana, Salva-me! E me tornarei um
monge”[3].
Salvo daquele temporal, Lutero manteve sua palavra e em 17 de julho
de 1505 entrou para um dos monastérios mais rigorosos da Alemanha; o Convento
Agostiniano, abalando sua relação com o pai que desejava sua formação em
Direito. O distanciamento entre pai e filho durou um longo período de tempo.
O medo de morrer impediu que Lutero prosseguisse sua caminhada
acadêmica no Direito e de acordo com a Teologia da época, tornar-se monge era a
melhor forma de evitar o inferno: abster-se dos prazeres da vida através da
austeridade era uma forma de garantir um lugar no céu.
Anos depois de sua saída no monastério, Lutero afirmou:
Eu obedecia as regras tão rigidamente, que posso afirmar que, se um
monge fosse para o céu por sua dedicação, esse monge seria eu. Se tivesse
continuado dessa forma por mais tempo, teria me matado com vigílias, orações,
leituras e outros trabalhos.[4]
Levado pela vontade de extinguir seus impulsos pecaminosos, por
várias vezes Lutero jejuou durante três dias e muitas vezes dormiu sem cobertor
em noites de inverno tenebroso, na tentativa de tornar-se livre do medo da
morte e da culpa. Temendo por sua saúde mental e corporal, seu superior, Johann
Von Staupitz, recomendou que Lutero iniciasse o estudo da Teologia. Atento à
recomendação de seu superior, Lutero iniciou o curso na universidade de Erfurt,
mesma instituição em que deu início aos estudos de Artes e Direito.
Em 1512 Lutero foi convidado por Frederico, o Sábio, a ministrar
estudos bíblicos na recém universidade de Wittenberg. Foi nesta mesma
Universidade que Lutero desenvolveu sua teologia baseada na “maravilhosa nova definição da justiça de
Deus” [5],
de acordo com a carta de Romanos.
2.
Contextualizando
o Século XVI
No século VIII Carlos Magno – Imperador do Ocidente e conquistador da
Itália – trouxe para a corte “os mais notáveis eruditos que podia encontrar” [6],
possibilitando a abertura para o pensamento renascentista e o enriquecimento
intelectual, financeiro e artístico.
Anos mais tarde, a Alemanha foi tomada pelo pensamento renascentista,
cuja consequência foi a transformação político-cultural da sociedade Alemã. No
início do século XVI, o movimento renascentista, que servia para os
intelectuais como uma arma para expressar seu protesto contra o poderio
religioso e político que o papado exercia na época, já estava firmado no meio
universitário, principalmente nas cidades de Heidelberg, Erfurt e colônia.
Um dos principais nomes desse período na Alemanha e tido como o
“príncipe dos humanistas” [7],
foi Erasmo de Rotterdam, ao qual Lutero disputou e refutou a teologia liberal.
Foi neste período de ideias e ideais renascentistas que se levantou
Lutero, influenciado por esses movimentos, contra uma igreja com abusos de
poder, com vendas de entrada no céu e indulgências para diminuição no tempo do
purgatório e principalmente a proibição da leitura das Santas Escrituras.
3.
O
pensamento de Martim Lutero com ênfase em sua teologia e ética
Segundo Martin N. Dreher, a principal característica da Teologia de
Lutero está no primeiro mandamento do decálogo [8], no
qual o próprio Lutero declara em 1529: “Devemos temer e amar a Deus e confiar
nele sobre todas as coisas” [9]. Tudo
o que Lutero escreveu e pensou vem desse pensamento .
Além desse principal eixo do decálogo, Lutero também baseou sua
teologia nas cartas paulinas, principalmente na carta aos Romanos, cuja
história influenciou sua conversão e deu origem a explosão da Reforma Protestante.
Uma das passagens que mais se assemelham a tal conversão é o versículo 17 do
primeiro capítulo do livro: “Porque no evangelho é revelada a justiça de Deus,
uma justiça que do princípio ao fim é pela fé, como está escrito: o justo
viverá pela fé” [10].
O versículo começa com a justiça de Deus, justiça essa que Lutero
não podia suportar. A palavra justiça era tida por ele – e pela teologia
tradicional – como Deus castigando os pecadores: grupo em que ele se incluía. Porém,
mais adiante em sua carreira Lutero afirmou que essa mesma justiça – a quem ele
abominou – fez dele salvo, pois, “A justiça de Deus é a que tem quem vive pela
fé, não porque seja em si mesmo justo, ou porque cumpra as exigências da
justiça divida, mas porque Deus lhe dá esse dom” [11].
De acordo com Alister Mcgrath existem cinco pontos que fundamentam
a Reforma de Lutero[12]:
a.
A
Bíblia é o fundamento supremo de toda crença e prática cristã.
b.
O
texto da Bíblia e toda pregação baseada nela devia ser no vernáculo.[13]
c.
Salvação
é dom gratuito e imerecido de Deus recebido pela fé.
d.
Não
há distinção fundamental entre clero e laicidade.
e.
A
reforma da vida e do pensamento da igreja não dizia respeito a começar desde o
início em um frenesi de reconstrução pelo conhecimento.
Com base em suas reflexões da Bíblia, Lutero revisou os fundamentos
da teologia da Idade Média, e isso interviu em todos os aspectos de sua época,
quer sejam, políticos, culturais, religiosos e confessionais. Assim, como a
igreja detinha todo o poder nos aspectos mencionados acima, Lutero mexeu em um
vespeiro. Por este motivo, foi chamado várias vezes para dar declarações de
suas “heresias”, como registrado no documento “Confissão de Augsburg” e na “Dieta
de Worms”.
Em 1522 Lutero foi excomungado da igreja juntamente com todos os
que o seguiam. Daí para frente o que fez foi se aprofundar nas Santas
Escrituras traduzindo o Novo Testamento para o Alemão para que todo homem
tivesse acesso ao texto bíblico.
Sobre as Escrituras Lutero afirma:
Os próprios apóstolos consideravam ser necessário traduzir o Novo
Testamento ao grego e vinculá-lo àquela língua, sem dúvida para preservá-lo
para nós, são e salvo, como em uma arca sagrada. Pois previam tudo o que era
vindouro e o que hoje tem acontecido. Sabiam que, se fosse contido somente na
cabeça das pessoas, surgiria na igreja uma turbulenta e terrível desordem e
confusão, e diversas interpretações, concepções e doutrinas, as quais poderiam
ser evitadas e das quais o homem simples poderia ser protegido somente se o
Novo Testamento fosse mantido em língua escrita [14].
Como vimos, a sociedade em que Lutero viveu passava por um período
de mudanças em suas camadas sociais por meio do Renascentismo o que fez com que
todos esperassem pela proposta de “reforma” que ele propôs que convergia na união
da sociedade com a igreja em direção a um futuro melhor [15].
4.
A
Herança do pensamento Reformador
Nesta ótica de pensamento luterano que implica no “Sacerdócio de
todos os crentes”, o mundo ocidental dividia-se em várias linhas de pensamento
religioso. Depois de Lutero, o que se segue é uma série de movimentos
reformadores em toda a Europa. Parafraseando Mcgrath: o surgimento do
protestantismo trouxe uma revisão sistemática da vida e do pensamento da igreja
[16].
Outro aspecto importante que é preciso destacar da herança desse
pensamento, são as guerras (Guerra da Liga de Schmalkden: 1546-1547, Guerra dos
Huguenotes - 1562-1589, A revolta dos países Baixos -1565-1609) que se
espalharam por toda a Europa.
Com base nas diversas correntes de pensamentos religiosos e
filosóficos que agora passam por um processo de transformação e revisão,
caracterizada pela reforma e pelo pensamento Renascentista, surge entre essas
correntes por volta de 1650 o movimento chamado Iluminismo, que evidenciará o
ato de fé na razão humana.
5.
A
nova critica da religião
Para não se cometer novos erros de tirania como os do Papado, a
religião – a partir desse momento – começou a ser submetida ao tribunal da
razão, que se deu pela filosofia proposta por Kant denominada “critica da
religião”. Segundo Urbano Zilles em seu artigo científico: A crítica da
religião na modernidade, diz: “... uma pluralidade
de críticas, muitas vezes até contraditórias. Discute-se o sentido e a
significação do discurso e da prática, a legitimidade das explicações teóricas
e das orientações práticas da religião” [17].
Segundo Urbano Zilles a filosofia da religião é o produto do
iluminismo, iniciado por Baruch Spinoza (1632-1677) [18],
pois questionando as tradições religiosas teve também a necessidade de explicar
e justificar os fenômenos religiosos.
Muitos são os nomes famosos que encabeçam esse movimento Iluminista
que usa de argumentos “racionais” para enfatizar e depreciar a religião. Um
desses nomes é Voltaire (1694-1778) que ataca a tradição religiosa e questiona
todo o tipo de autoridade, incluindo a de Deus. Holbach (1725-1780), o criador
da famosa frase “ópio do povo”, afirmou que a religião é a mola propulsora para
uma política injusta e suja. Outro nome famoso que aparece na lista dos
iluministas é o de Nietzsche com sua critica radical enfatizando em sua tese a
morte de Deus.
6.
Considerações
finais
Tendo em vista os tópicos levantados acerca da ética e teologia de
Lutero, bem como sobre os pensadores iluministas, torna-se notório que o
levante da Reforma Protestante produzida por Lutero, com fortes influências da
Renascentista Universidade de Erfurt, precedeu o pensamento moderno, reconhecido
como Iluminismo.
É neste mesmo conceito do pensamento luterano que os iluministas
trabalham e expressam seus fundamentos filosóficos como a liberdade do pensamento
da literatura bíblica para todos, a afirmação de que a literatura deveria ser
vernacular e a proclamação de que o cidadão laico é igual ao clero.
Essa pesquisa mostrou também que antes de Lutero, o fundamentalismo
religioso demonstrado pela igreja católica não deixava a sociedade européia
caminhar para um futuro racional, e o que não fosse da categoria clerical não
tinha acesso a qualquer tipo de informação, seja ela política, religiosa ou intercultural.
Após Lutero, o mundo ocidental cristão se transformou em um
emaranhado de ideias, correntes religiosas e filosóficas. Houve
descentralização por parte do poder da igreja para as mãos dos monarcas, que
apoiaram muitas vezes os pensadores iluministas, e estes por sua vez detinham o
conhecimento científico e muitos deles aplicaram ideias de governo.
O desenvolvimento histórico de Lutero ao Iluminismo certamente
merece crédito, por conter neste período as diversas revoluções intelectuais e
de expressão racional. Portanto, fica clara a contribuição do reformador para o
pensamento iluminista, todavia, certamente não é o que ele mesmo recomendaria.
BÍBLIA Sagrada português-inglês. Nova Versão Internacional. São
Paulo: Ed. Vida Nova, 2003
BURNS, Edward M. História da Civilização Ocidental. Volume
1, 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Globo, 1959.
DREHER, Martin N. Coleção história da Igreja. Volume 3, 5ª
ed. São Leopoldo: Sinodal, 1996.
GONZÁLEZ, Justo L. Dicionário ilustrado dos intérpretes da fé.
São Paulo: Hagnos, 2008.
GONZÁLEZ, Justo L. História ilustrada do Cristianismo.
Volume 2, 2ª ed. Revisada. São Paulo: Vida Nova, 2011.
MACGRATH, Alister E. A Revolução protestante. Brasília:
Palavra, 2012.
PIPER, John. O legado da Alegria Soberana. São Paulo: Shedd
Publicações, 2005.
SHELLEY, Bruce L. História do Cristianismo Ao Alcance de Todos.
São Paulo: Shedd Publicações, 2004.
ZILLES, Urbano. A Crítica da Religião na Modernidade. Revista
Interações - Cultura e Comunidade, Porto Alegre, V.3, n. 4, p. 37-54, 2008.
[1] Estudante do terceiro período de Teologia da
Faculdade Batista de Minas Gerais. hugoimar@hotmail.com
[2] Taís Pereira é Mestre em Letras e professora
de Leitura e produção de texto do curso de teologia da Faculdade Batista de
Minas Gerais.
taismg@hotmail.com
[3]
MACGRATH, 2012, P.46.
[4]
SHELLEY, 2004, P. 266.
[5]
MACGRATH, 2012, P. 47
[6]
BURNS, 1959, P. 369
[7]
BURNS, 1959, P. 426
[8] Ver
Êxodo capítulo 20
[9]
DREHER, 1996, P. 41.
[10]
BÍBLIA Sagrada português-inglês. Nova Versão Internacional. São Paulo: Ed. Vida
Nova, 2003, p. 1266.
[11]
GONZÁLEZ, 2011, P. 32.
[12]
MACGRATH, 2012, P. 61-64.
[13] O
Vernáculo trata-se de algo próprio de um país, quer seja língua, cultura ou
costumes, por exemplo: a língua vernacular do Brasil é o Português.
[14]
PIPER, 2005, P. 87.
[15]
DREHER, 1996, P. 48.
[16]
MACGRATH, 2012, P. 131.
[17]
ZILLES, 2008, P. 39
[18]
ZILLES, 2008, P. 42